Era meu primeiro dia de trabalho na nova multinacional que iria atuar, a empresa estava há menos de um ano e meio no Brasil e eu seria responsável por cuidar das importações desde o momento que a compra fosse fechada até a chegada da mercadoria em nosso armazém.
Eu adoro isso, cuidar do início ao fim, trabalhar junto do Despachante Aduaneiro, Agente de Carga, definir modo de embarque, frete, viabilidade, controlar pagamentos internacionais, classificação fiscal…
Fazer acontecer sabe? Ah, é muito bom!
Depois de ser apresentado para todos da empresa e não decorar o nome de quase ninguém, sento em minha mesa e começo a receber os Pedidos Compra (Purchase Order, ou só PO) para iniciar os trabalhos, mas quando confiro os Incoterms, vejo que predomina CIF, CIP, CFR e CPT (frete internacional será contratado pelo vendedor), achei muito estranho e pergunto a razão.
– A matriz da empresa tem como padrão comprar com frete incluso e definiram o mesmo aqui.
Pois é, fiquei mais de um ano e meio realizando importações que predominavam o frete incluso, por sorte, eu tinha um ambiente de trabalho e colegas maravilhosos, que compensavam o caos que foi trabalhar com tantos transportadores que não estavam preparados para me atender, sem aquela qualidade e transparência que recebo quando eu, como importador, escolho quem realizará o frete internacional.
Foram tantos perrengues enfrentados e mais de uma vez, que hoje prefiro encarar uma vistoria de canal vermelho igual aquela que contei nesse artigo, do que realizar uma importação que eu não saberei quem é o agente de carga.
Mas chega de lamentar, já deixei claro que consegui levantar com facilidade cada um dos motivos e justificá-los, a ordem aqui é irrelevante, portanto, vamos a eles.
1 – Você vai pagar um frete mais caro.
Se a mercadoria tem um longo prazo de fabricação e a compra não prevê revisão do valor do frete conforme a oscilação dos armadores e companhias aéreas, o exportador precisará se proteger cobrando um valor mais alto.
Esse extra será arcado pelo importador, que também terá custos mais altos de impostos, armazenagem e seguro, pois todos eles consideram o valor do frete para cálculo.
Mas onde os mal intencionados gostam de dar com os dois pés são nos custos de destinos, pois é a situação em que eles têm a faca e o queijo na mão.
Mesmo que você solicite antes do embarque os valores e peça revisão de valores abusivos, eles não cedem, pois sabem a dificuldade que é para o importador conseguir mudar o responsável pelo frete, conversando com o exportador.
Pior, se comprar a briga depois que a carga chegou ao recinto de destino final, o tempo discutindo normalmente não compensa, pois resultará em maior custo de armazenagem.
2 – Rotas de fretes mais safadas.
Tenho inveja de algumas destas importações marítimas que realizei, pois elas conheceram diversos países legais antes de chegar no Brasil.
Outra forma de exportadores apresentarem bons valores com frete incluso é cotando rotas que desafiam tudo o que aprendemos sobre logística. Trajetos que demoravam quase o triplo do tempo, parando mais que o bondindinho de Balneário Camboriú (SC), com mais de 2 transbordos e ainda descarregavam em Santos, para vir via Trânsito Aduaneiro para Santa Catarina.
E se a negociação não te protege dessas rotas mirabolantes, amigo, não tem o que fazer, o exportador está no direito dele – boa sorte explicando para seu cliente que sua carga conheceu a Ásia, África, Europa e vai para a Argentina antes de atracar em portos brasileiros.
Lembro-me da vez que emendei minhas férias com as férias coletivas, 30 dias longe do trabalho e quando voltei, mercadoria vindo do sul da Europa ainda não havia chegado.
3 – Embarque sem autorização e/ou parcial.
Se eu tivesse que definir qual o principal responsável pelo vitiligo oriundo de estresse que atingiu meu rosto (amplie a foto do meu perfil que você entenderá), eu escolho este motivo.
Eu comecei a roer minhas unhas só de lembrar das sofrências que passei, pois essa lambança sempre é acompanhada de outras, muitas vezes o conhecimento de embarque original já foi emitido, cheio de erros que custarão caro corrigir e o exportador não vai querer assumir.
Também é comum o equipamento/sistema ser embarcado incompleto, com partes faltando que me impedem de utilizar o item. Normalmente cometem este vacilo para evitar multas por atraso de fabricação ou porque o pagamento depende deste fato gerador, e seu vendedor está precisando do dinheiro.
Malandragem não é uma exclusividade brasileira.
Porém o exportador não entende que, um sistema não pode ser chamado assim se ele estiver incompleto, pois ele não conseguirá desempenhar sua função, o que já compromete seriamente o despacho aduaneiro de importação.
É como se eu comprasse um carro e a concessionária o entregasse de surpresa na minha garagem, mas sem motor, essa ‘’pecinha’’ só vai chegar daqui duas semanas.
Só declarar na NF como “carrinho de rolimã burguês” quetá tranquilo.
4 – Maior chance de dar M&#%@ no Despacho Aduaneiro.
Se todo transportador logístico tivesse a verdadeira noção da complexidade que é o Despacho Aduaneiro, o comércio exterior brasileiro seria um lugar mais fácil de viver.
É cada draft/rascunho de conhecimento de embarque que recebi (e ainda recebo), que dá vontade de pedir um em branco, pois dará menos trabalho preencher do que pedir todas as correções.
O problema também se estende ao sistema Mercante e Mantra, muitos se acostumam com o fato que o Despachante e o Importador vão conferir e não se prestam a informar corretamente.
São erros bestas que impedem o despacho aduaneiro de ser iniciado, gerando mais estresse e custos extras de armazenagem.
5 – Você vai trabalhar com os piores agentes/NVOCC/armadores/etc.
Com certeza já deixei claro isso nos motivos anteriores, mas ainda é preciso um tópico próprio. O exportador em busca de reduzir custos fechará o frete internacional com aquele que passar o valor mais enxugado possível e, para conseguir isso, ele fechará parceria com um representante no Brasil que também enxugue bem os custos.
Custos simplesmente não somem, nós pagamos por eles de alguma maneira. Além de, como já mencionei, encarecer os custos de destinos, o transportador gasta o mínimo possível de RH para com esse embarque, seja atendendo no padrão “nas coxas porque é prepaid” ou entregando para alguém muito qualificado, como o estagiário do menor aprendiz que está substituindo outro de férias.
Outra forma de recuperar o custo enxugado, é torcendo pela desgraça do importador, ao impor um free time menor que o padrão e cobrar valores de demurrage 3 a 4 vezes superior ao cobrado pelo armador.
Lucrar com a dificuldade alheia, lindo né.
Mas é tudo de ruim assim mesmo?
Como sempre digo em meus artigos, a experiência que trago é pessoal, então para mim foi predominantemente ruim, porém já tive casos que decidi por conta comprar com frete incluso, mas pelo motivo de eu saber quem iria cuidar do transporte no Brasil e de já ter um bom relacionamento com ele. Então como sempre, no Comex e na vida, tudo tem exceção.
Talvez você esteja pensando que estes problemas poderiam ser evitados com um Pedido/Contrato de Compra que previsse tudo isso, parte deles sim, mas se exigíssemos demais, o exportador normalmente respondia:
– Não prefere então você contratar o frete? Mudamos para FCA/FOB, pois tá ficando complicado demais.
Houve também alguns pouquíssimos profissionais, que utilizavam a oportunidade para vender o peixe, me ligavam para se apresentar antes mesmo de coletar a mercadoria e realizavam um trabalho excelente, pois não há melhor oportunidade para mostrar a qualidade de serviço, do que num caso prático com frete incluso.
#ficaadica para os agentes de carga 🙂
Não foi fácil quebrar esse padrão, pois, além da teimosia dos gringos, muitas das compras já estavam fechadas e parcialmente pagas, e parte delas ficariam prontas somente em 10, 12 ou 16 meses.
E como mudei este paradigma na empresa? Com números ué, isso é logística! Não conquistei a mudança da noite para o dia, mas ao apresentar os comparativos de custo e performance para evidenciar os resultados entre importações Prepaid (CIF e CIP principalmente) e Collect (EXW, FCA e FOB), os benefícios de contratar o frete internacional ficaram claramente evidentes.
Publicação em parceria com:
Jonas Vieira
https://www.linkedin.com/in/jonasvieira/
Quem é o Jonas ?
É um cara formado em comércio exterior, que trabalha há mais de dez anos com importação, compras e logística internacional, e continua apaixonado pela falta de rotina que essa vida tem! Agora ele quer dividir essa experiência com todos, de forma simples e bem humorada.